MONICA PRADO DANTAS. A IMAGEM AZUL NO ESPELHO * POR JACOB KLINTOWITZ

DAS SOMBRAS.
ESPELHO NO NEGRO.
QUEIMADAS.
ENTREABERTAS.
PORTAS.
JANELA.
DOIS AZUIS.
NO AZUL.
ESPELHO NO LARANJA.


TRATA-SE DA ESTRUTURA DE UM POEMA, DE CONEXÃO POR SIGNIFICADOS, QUE DESCREVE A AVENTURA DO GUERREIRO NO SEU PERCURSO DAS SOMBRAS AO AZUL. E APRESENTA A REFLEXÃO INTROSPECTIVA DA IMAGEM APRISIONADA NUM ESPELHO NEGRO ATÉ O LUMINOSO ENTENDIMENTO DE SI MESMO EM UM ESPELHO LARANJA. E ESTE POEMA, NA SUA ORIGEM VOCABULAR, FOI ENCONTRADO DISPERSO EM MUITAS TELAS, POIS SÃO OS TÍTULOS QUE A ARTISTA MÔNICA PRADO DANTAS COLOCOU NAS SUAS PINTURAS.
ÀS VEZES, O TÍTULO DE UMA PINTURA É POSTO APÓS A OBRA PRONTA E EXPRESSA A PRIMEIRA ANÁLISE FEITA PELO PRIMEIRO CONTEMPLADOR, NO CASO, O PRÓPRIO ARTISTA. ELE A COLOCA POR SENTIR A IDENTIDADE ENTRE O SOM E A IMAGEM, OU PELO ENREDO QUE A OBRA SUGERE. OU POR NADA, PARA CRIAR UM ENIGMA INDECIFRÁVEL. OU POR HUMOR, PARA IRONIZAR O PÚBLICO. OU POR LÚDICO, PARA BRINCAR CONSIGO MESMO E COM O PÚBLICO. MAS ESTE QUE OLHA JÁ NÃO É O MESMO QUE PINTOU, O QUE NOMEIA É OUTRO, UM DUPLO, QUE NECESSARIAMENTE NÃO ESTÁ SEMPRE NA MESMA SINTONIA E, EM CERTOS CASOS, TENTA COM TÍTULO CORRIGIR A PINTURA QUE ACHA INSUFICIENTE. E ESTE DUPLO NÃO COSTUMA ENCONTRARSE COM O PINTOR, O QUE PODE CAUSAR DESILUSÃO EM CONVÍVIO, JÁ QUE ELE É MENOR DO QUE O ARTISTA. ESTE DESENCONTRO ENTRE O ARTISTA E O SEU DUPLO TALVEZ SEJA BOM. PARA A CULTURA HEBRAICA O ENCONTRO COM O DUPLO SIGNIFICA O ENCONTRO COM DEUS, MAS PARA A TRADIÇÃO ESCOCESA É A PROXIMIDADE DA MORTE. NA OBRA DE MÔNICA PRADO DANTAS, ENTRETANTO, O TÍTULO E A PINTURA PARECEM TER NASCIDO JUNTOS TAL A COMPLEMENTAÇÃO ENTRE OS DOIS E NÃO CONSTRANGE QUEM A CONTEMPLA A PERCORRER UMA OBRIGATÓRIA TRILHA JÁ SINALIZADA. NÃO SE TRATA DE LITERATURA AGREGADA, MAS DE UM CONCEITO VITAL.
NA VERDADE, FOSSEMOS DESCREVER A PINTURA DE MÔNICA PRADO DANTAS PELO SEU ESTRITO TEMA VISUAL, PELAS PERMANENTES QUESTÕES DA ARTE QUE ELA COLOCA, TERÍAMOS QUE FALAR EM VIBRAÇÃO CROMÁTICA, SOMBRAS ILUMINADAS, CONTRASTES CROMÁTICOS, DESLOCAÇÃO DO PONTO DE VISTA DO OBSERVADOR, DISTORÇÃO DA FIGURA GEOMÉTRICA, DESDOBRAMENTOS DO PLANO E DO RETÂNGULO, RELAÇÃO ENTRE OVAIS E RETAS.
TAMBÉM É JUSTO, E MENOS TÉCNICO, NARRAR AS REAÇÕES SENSÍVEIS AO SEU TRABALHO. PRIMEIRO DE TUDO, É CERTO DIZER QUE SEU TRAÇO, TANTO NO GÊNERO DESENHO, NA SUA ESPECIFICIDADE, QUANTO NA ESTRUTURAÇÃO DAS FIGURAS PICTÓRICAS, COMO ELEMENTO DE BASE, É EMPOLGANTE PELO SEU CARÁTER EXPRESSIVO E PULSANTE, NO QUAL SE OBSERVA O MOVIMENTO DA MÃO, A RESPIRAÇÃO DO ARTISTA, A UNIDADE ENTRE O OLHO E O SENTIMENTO. MESMO NOS DESENHOS DE FIGURAS HUMANAS, NO QUE PODERIA SER UMA ATIVIDADE TÉCNICA DE OBSERVAÇÃO, PERCEBE-SE A AUTONOMIA DO TRAÇO E A QUALIDADE DO OLHAR EM PERCEBER A FORMA.
A COMPOSIÇÃO É EQUILIBRADA DE MANEIRA CURIOSA, POIS SE ORGANIZA NO NÃO APARENTE, DA SENSAÇÃO DO SEM ESFORÇO, TAL A NATURALIDADE COM QUE ELA OCUPA O SUPORTE.
SÃO AS QUALIDADES DO DESENHO E DO EQUILÍBRIO ESPACIAL QUE PERMITE A LIBERDADE CROMÁTICA DA ARTISTA. GRANDES SUPERFÍCIES CROMÁTICAS EM CONTIGÜIDADE. O DINAMISMO DESTAS MANCHAS CROMÁTICAS NASCE DESTA ESTRUTURAÇÃO E DA PESSOALIDADE DO TRAÇO.
A ARTISTA MÔNICA PRADO DANTAS TRABALHA POR SÉRIES E APROFUNDA AS POSSIBILIDADES EXPRESSIVAS DO SEU TEMA. ELA PERTENCE À FAMÍLIA DOS MEDITATIVOS, DAQUELES QUE SE TORNAM O ASSUNTO DE SEU INTERESSE O PRÓPRIO UNIVERSO, POIS, POR INTERMÉDIO DO SEU EXERCÍCIO VISUAL, FACETAM ATÉ O INFINITO O DISCURSO DA REALIDADE. É O MESMO ASSUNTO, É CONSTANTE A PERMANÊNCIA DO TEMA, MAS O ARTISTA NÃO SE REPETE. DE CERTA FORMA, AINDA QUE A SUA PRÓPRIA MANEIRA, LEMBRA, NESTE ASPECTO, ARTISTAS COMO MORANDI,BRAQUE, PANCETTI E VOLPI, QUE TRATARAM À EXAUSTÃO DO MESMO ASSUNTO SEM SE TORNAREM CARTORIAIS.
MÔNICA PRADO DANTAS ULTRAPASSA A IDÉIA DE JOGO CROMÁTICO, PARA ESTABELECER NOVAS RELAÇÕES. NA PINTURA OS PLANOS PODEM ESTAR AFASTADOS, MAS DE MODO INTRÍNSECO ESTÃO LIGADOS. ENTRE UM E OUTRO HÁ UMA TENSÃO QUE OS ENTRELAÇA. EM ALGUMAS PINTURAS OS PLANOS SE DESDOBRAM RITMICAMENTE. LEVEMENTE INCLINADOS. AFASTADOS NO ESPAÇO, NUM MOVIMENTO PRÓPRIO QUE PARECE OCORRER DIANTE DOS NOSSOS OLHOS. UMA SONATA DESCONHECIDA.
OVAIS, LINHAS QUE SE CRUZAM. DANÇA. TRONCOS FLEXÍVEIS. O FUNDO É COMO UMA TAPEÇARIA, CENÁRIO TEATRAL, A DOBRAR-SE SOBRE SI MESMO.
PORTAS. PRETO NO CENTRO, VERMELHO NAS LATERAIS. ABRE-SE PARA O ESCURO, O DESCONHECIDO. DAS SOMBRAS, VERMELHO, VIOLETA, VERDE. EM DIREÇÃO À ILUMINAÇÃO. ESPELHO NO NEGRO; ESPELHO NO LARANJA; A IDÉIA DO REFLEXO E DA EXALTAÇÃO CROMÁTICA. ENTREABERTAS - VIOLETAS, VERMELHO, LARANJA - PORTAS, IDÉIA DO INTERIOR. DOIS PORTAIS MACIÇOS QUE SÃO VISTOS DE CIMA, COMO SE O OBSERVADOR ESTIVESSE ACIMA. DESCERAM DO CÉU.
DESENHO DE MULHER, EM DECÚBITO DORSAL. UM BLOCO ASCENDENTE E TRIANGULAR. CARVÃO E CONTORNO. A PRENSA. JÁ COM ESPELHOS E REFLEXOS EM 1987. CEBOLAS. COTIDIANO DILACERANTE. FIGURA DRAMÁTICA DE HOMEM SOLITÁRIO. MULHER DEITADA: UM BLOCO. E GIRASSÓIS, COM ALGUMA COISA DE FANADOS. MULHER PAISAGEM. SEM EROTISMO. MULHER CARAMUJO. MULHER ALMOFADA.
EM TUDO, O QUE SE VÊ? EM PRINCÍPIO A SOLIDÃO DA CONDIÇÃO HUMANA.
E, TAMBÉM, AS PORTAS DA PERCEPÇÃO.
NESTE EXATO MOMENTO, NA FASE ATUAL, A ARTISTA TEM PORTAS COMO ASSUNTO.
A SÉTIMA PORTA. A PORTA DO CASTELO DE KAFKA, AQUELA QUE É FEITA PARA UM ÚNICO INDIVÍDUO E SE FECHA PARA SEMPRE QUANDO ELE DESAPARECE.
PORTAIS. PASSAGEM. E A PORTA DA ETERNIDADE, A MORTE.
MAS, ACIMA DE TUDO, A PORTA SECRETA. A QUE SE ABRE PARA O MISTÉRIO, PARA O ENTENDIMENTO. NÃO É POSSÍVEL ESQUECER O SIMBOLISMO DA PASSAGEM ENTRE DOIS ESTADOS, DOIS MUNDOS, ENTRE O CONHECIDO E O DESCONHECIDO, A LUZ E AS TREVAS, O TESOURO E A POBREZA EXTREMA. DO PROFANO AO SAGRADO
TALVEZ SE ESVAIA O TERROR MEDIEVAL DE QUE O MUNDO SEJA SÓ UM SONHO DE UM SONHADOR DESCONHECIDO QUANDO ULTRAPASSAMOS ESTAS PORTAS.
AINDA MAIS QUANDO UMA PINTURA, COMO A DE MÔNICA PRADO DANTAS, NÃO DESEJA SER OUTRA COISA SENÃO PINTURA.
AGORA, COM ESTES NOVOS SIGNIFICADOS, PODEMOS REFAZER O POEMA DOS NOMES. O PRIMEIRO FOI RECOLHIDO NA DISPERSÃO. ESTE SEGUNDO, COM UMA EPIDERME A COBRIR A ANTIGA ESTRUTURA DESCARNADA, REPETE AS PALAVRAS DA ARTISTA E É UMA IMAGEM LÍQUIDA E DIFUSA NO ESPELHO INTERIOR.

DAS SOMBRAS RESSURJO
E ME CONTEMPLO NO ESPELHO NEGRO.
TRONCOS.FOGO.QUEIMADAS.
EM CINZAS ME CONSTRUO.

ENTREABERTAS PORTAS.
JANELAS.
HORIZONTES QUE VISLUMBRO.
O AZUL DO CÉU,
E O AZUL NÉVOA DA PAISAGEM DISTANTE.
DOIS AZUIS.
NO AZUL ESTOU.
NO AZUL EU SOU.

CONTEMPLO A MINHA IMAGEM NO ESPELHO LARANJA.
IMERSA NO AZUL ME QUEDO,
E A MINHA IDENTIDADE REFLETIDA
NA COMPLEMENTAR LARANJA,
PISCA O OLHO E ACENA PARA MIM.


JACOB KLINTOWITZ * JULHO 2009
CRÍTICO DE ARTE
CURADOR DO MuBE - MUSEU BRASILEIRO DA ESCULTURA
CURADOR DO CENTRO CULTURAL CITI