MONICA PRADO DANTAS - PINTURAS * POR MAESTRO AYLTON ESCOBAR(TEXTO ESCRITO EM 1995, REESCRITO EM 2009)

ERA DE SE ESTRANHAR QUE UM MÚSICO FOSSE INCUMBIDO DA APRESENTAÇÃO DE UMA ARTISTA PLÁSTICA E ENTÃO ROUBASSE PARA SI OS ARES DE EXPERT PARA APRESENTÁ-LA APROPRIADAMENTE AOS INICIADOS E ADMIRADORES. CONTUDO, ESSAS ESTRANHEZAS PERDEM AS RUGAS QUANDO O MÚSICO CONFESSA NÃO PRETENDER ANALISAR TECNICAMENTE AS TELAS EM EXPOSIÇÃO, MAS ENTREGAR-SE À POESIA QUE HABITA A OBRA DE MÔNICA PRADO DANTAS, ADMIRANDO O MILAGRE REVELADO POR ESSAS FORMAS E TEXTURAS: AS TELAS SOAM COMO MÚSICA.
NASCENDO DA SINCERA PREDILEÇÃO PELA ARTE DE PABLO PICASSO, MÔNICA MUITO CEDO SE REVELOU UMA VIRTUOSE DO DESENHO, TRABALHANDO ENTRE A PAZ E A FÚRIA DE UM TEMPO QUE SÓ A SUA EMOÇÃO E TALENTO PODEM COMPREENDER. O OBJETO DESENHADO COM SENSIBILIDADE INCOMUM - DIRÍAMOS COM MUSICALIDADE OU SOB IMPULSOS DANÇARINOS - LEVOU-A ÀS CORES NERVOSAMENTE TRANSMUDADAS E POR FIM ÀS TELAS COM VARIAÇÕES INQUIETAS QUE ACABAM POR ENCONTRAR SEUS TEMAS.
NÃO É RARO NOTAR CADA OBJETO OU FORMA APARENTE NAS TELAS DE MÔNICA COMO ENIGMAS, ANTES DE TUDO, QUE SOMENTE UM MAGO CONSEGUIRIA DECIFRAR. AS FIGURAS QUE SE VEEM REPRESENTAM ESTADOS DA ALMA E JAMAIS SE CONCLUEM NO OLHAR APRESSADO MAS NA SOLITÁRIA E ÁRDUA COMPENETRAÇÃO DO OBSERVADOR SENSIVEL.
JÁ SE COMENTOU QUE A OBRA DE MÔNICA PRADO DANTAS MANTÉM CERTA AFINIDADE COM A ARTE CENOGRÁFICA E QUE AS IMPLICAÇÕES DRAMÁTICAS DOS SEUS MOTIVOS - OBJETOS COMUNS POR VEZES DE TRÁGICA FEIÇÃO - APROXIMAM O ARTISTA DO UNIVERSO TEATRAL. O QUE MAIS IMPORTA, NO ENTANTO, É QUE MÔNICA SE APRESSA NESSE DÉBUT COM A INTEIREZA DO SEU APARATO POÉTICO, SEM CONTER-SE NEM ANTES ATENDER AS REGRAS QUE A ENCOURAÇASSEM DIANTE DA CRÍTICA. EXIBE SEUS TEMAS E PROCESSOS NUMA ATITUDE DE CONFISSÃO QUE SÓ NA ARTE DELA SE PERMITE, POIS COMO PESSOA ESCONDE-SE IMPALAVRÁVEL.
A SOLIDÃO É SEU MOTE, AS LENTES KAFKIANAS. UM HOMEM JAZ AO LADO DE UMA MULHER SOB AS ÁGUAS QUE INUNDAM PROVÁVEL SONHO; FALAM DA IMPLACÁVEL SOLIDÃO "DE DEPOIS" E, A UM SÓ TEMPO, SUGEREM A PRESENÇA INSPIRADORA DE DAVID HOCKNEY OU AS TRANSPARÊNCIAS LIQUIDAS DE BACON. NOUTRA TELA, BERINGELAS (NA APARÊNCIA) HUMANIZAM-SE E SE PROCURAM EM VÃO, SOB LONGÍNQUOS SOPROS DE MATISSE. PERAS, COMO DORSOS FEMININOS DE COSTAS, PERMITEM VER RESTOS DE PINCELADA IMPRESSIONISTAS, PORÉM ANTES SÃO TRANSMUTAÇÕES, O CÓDIGO QUE PROCURA AO MENOS ADIAR AS DOLORIDAS VERDADES DOS SERES QUANDO SE CONFESSAM. A MULHER JAVANESA ESTÁ SÓ NUM MUNDO DE CONTRASTES - DIRÍAMOS TÍMBRICOS, SONOROS, JÁ QUE AS CORES FAZEM ESSE QUADRO CANTAR, TENDO AO FUNDO UM CORAL INVISÍVEL. NAS SOMBRAS, UMA TÍMIDA HOMENAGEM A IBERÊ CAMARGO. TOMATES, MAÇÃS, ABACATES (TAMBÉM APENAS APARÊNCIAS) SE IMPÕEM NO ESPAÇO IMENSO E, DE FRUTOS COMUNS, TRANSFORMAM-SE EM SEIOS QUE SE OFERECEM A MORDIDAS DE BEM OUTRA FOME. FALCÕES EM POSES HERÁLDICAS, INTERROMPIDOS EM PLENO VOO, FEREM OS OLHOS COM ABSOLUTO MANDO E BELEZA FEROZ. O GATO SOB A COLCHA XADREZ DORME A TOTALIDADE DE SEU SONO E A COMPOSIÇÃO DA TELA EXIBE O CAMPO LARGO DESSA FORÇA: O VELUDO MAGENTA DO FELINO E DA INDIFERENÇA. CADEIRAS VAZIAS, QUARTOS EM DESORDEM FALAM AO ESPECTADOR E DIALOGAM COM A PERSONAGEM VISÍVEL: DE NOVO A SOLIDÃO E O DESESPERO. AS MULHERES (TODAS, NUMA SÓ MULHER) NÃO TEM ROSTO OU ESCONDEM-SE SOBRE OS BRAÇOS CANSADOS. A JOVEM LÊ UM LIVRO, ESTÁ SÓ E NÃO TEM FACE. EM UM TRÍPTICO MAGNÍFICO, ABÓBORAS BRANCAS NASCEM DE UM SONHO NU: ALGUÉM JAZIA DENTRO DE UM CORPO VIVO E LUTAVA PARA ESCAPAR ESCALANDO ENTRANHAS À PROCURA DE LUZ. NUMA SALA DE CONTORNOS DISTORCIDOS À FORÇA DA EMOÇÃO, ARISTOCRÁTICAS CADEIRAS VAZIAS SOFREM A INVESTIDA DE UMA FERA AGIGANTADA PELA FÚRIA, UMA CITAÇÃO DE RUBENS - A LEOA DOMINA TUDO, É A CRISTALIZAÇÃO DA IRA.
O EXUBERANTE TALENTO DE MÔNICA PRADO DANTAS, A FORÇA IMPIEDOSA DA SUA ARTE.
NEM UMA SÓ DESSAS TELAS DEIXOU-SE GOVERNAR: A CADA MIRADA REINVENTARAM-SE, INSATISFEITAS, ATÉ ALCANÇAREM O MAIS INTENSO DESPUDOR QUE CORRESPONDE À SUA LITURGIA.
NESTA GALERIA O QUE VEMOS É A CRÔNICA INEFÁVEL DE UMA ARTISTA ATENTA QUE TRANSFORMA COISAS COMUNS EM RASGOS DE TERRÍVEL POESIA.
UM MÚSICO, PORTANTO, PODE LER ESSAS TELAS AO LADO DO POETA QUE "OUVE ESTRELAS": ESTAMOS DIANTE DE VERDADEIRAS PARTITURAS QUE OS INICIADOS NAS ARTES PLÁSTICAS, IGUALMENTE TOCADOS, APLAUDIRÃO.

AYLTON ESCOBAR
Regente, compositor
Membro da Academia Brasileira de Música
Professor da Universidade de São Paulo - USP